Balanço das entidades do Terceiro Setor: reconhecimento do serviço
voluntário
Por Rubens Naves e Marcos Osaki
Com a publicação da Norma Brasileira de Contabilidade, ITG 2002 (R1), de 21 de agosto de 2015,
publicada no Diário Oficial da União (DOU)
de 2 de setembro 2015, o serviço voluntário deve ser reconhecido pelo “valor
justo da prestação do serviço como se tivesse ocorrido o desembolso
financeiro”. A norma se aplica aos contadores, que devem registrar em balanço
todo “trabalho (sic) voluntário”, incluindo o prestado por membros integrantes
dos órgãos da administração, registrando-se que entrou em vigor na data da sua
publicação, alterando a ITG 2002, publicada no DOU de 27 de setembro de 2012, que trata da
“entidade sem finalidade de lucros”, passando a se denominar “ITG 2002 (R1)”.
A
contabilização dos serviços voluntários
Deve-se ressaltar que a referida norma contábil é uma
recomendação determinada pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC),
que deve ser seguida pelos profissionais da área. Essa ITG é resultante de uma interpretação da
legislação, de forma a garantir que a contabilidade registre a efetiva
movimentação no patrimônio de uma entidade, registrando atos e fatos de
natureza econômico-financeira.
A contratação de serviços voluntários, inclusive dos integrantes
dos órgãos de administração, representa um ganho para a entidade, de forma que
a contabilidade deve refletir esse benefício que auferiu. Sabe-se que a
dificuldade é quantitativa, pois deve-se atribuir estimativa “justa” do valor
dos serviços voluntários.
Essa atribuição de valor deve servir estritamente para fins
contábeis, já que a determinação é direcionada a contadores e não a fiscais da
Receita Federal.
As
(não) implicações no Imposto sobre a Renda da Pessoa Física
Tratemos agora das implicações que o voluntário terá em relação
a seu Imposto sobre a Renda da Pessoa Física, uma vez reconhecido o “valor
justo” no balanço da entidade para a qual prestou serviços voluntários.
O fato gerador do Imposto sobre a Renda é a aquisição da
disponibilidade econômica ou jurídica de renda, entendida como o produto do
capital, do trabalho ou da combinação de ambos (art. 43 do Código Tributário
Nacional).
No caso desse serviço voluntário, inexiste qualquer “disponibilidade”,
econômica ou jurídica. Economicamente, não há recebimento de qualquer bem por
parte do prestador de serviços: quem recebe o “bem econômico” é a entidade; e
não se confunda bem econômico com “bem mental ou psicológico” que certamente o
voluntário tem em recompensa. Do ponto de vista jurídico, igualmente, uma vez
que a lei é expressa reconhecendo a inexistência de vínculo empregatício e a
proibição do trabalho voluntário referir-se a contraprestação. Com efeito, o
prestador de serviço voluntário não tem um “crédito” em relação ao serviço
prestado. É o que diz a Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998:
Art. 1º. Considera-se serviço voluntário, para os fins desta
Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública
de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha
objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de
assistência à pessoa.
Assim, não há que se falar em “aquisição” de disponibilidade
econômica ou jurídica, não se configurando o fato gerador do imposto sobre a
renda.
E, por fim, tampouco se verifica o fenômeno “renda”, uma vez que
inexiste “produto do trabalho”, como estabelece o mencionado art. 43 do Código
Tributário Nacional. Evidentemente, o “produto” refere-se ao bem material
“adquirido” econômica ou juridicamente pelo prestador de serviços que, no caso
em tela, é um objeto impossível do ponto de vista jurídico.
Ademais, não encontramos uma norma expressa da Receita Federal
do Brasil a esse respeito. A legislação dispõe que o trabalho voluntário não
gera vínculo de emprego “nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária
ou afim” (art. 1º, parágrafo único da Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de
1998). Ou seja, a lei poderia mencionar a questão tributária, mas limita-se a
dizer não haverá obrigações “de natureza trabalhista previdenciária ou afim”.
Evidentemente, a expressão “afim” não tem nenhum significado especial a não ser
o de reforçar que inexiste qualquer obrigação adicional. No entanto, a questão
tributária mereceria um tratamento específico por parte do legislador, para
espancar quaisquer dúvidas interpretativas.
Vale ressaltar que a lei do serviço voluntário estabelece que a
possibilidade de o voluntário receber ressarcimento pelas despesas comprovadamente
incorridas no desempenho das atividades voluntárias, desde que autorizadas
expressamente pela entidade. Entretanto, a lei não faz nenhuma ressalva
tributária a esse respeito. É evidente que a disponibilidade econômica auferida
serviu unicamente para reparar gastos incorridos em benefício da entidade.
Entretanto, não há, nesse caso, qualquer acréscimo patrimonial decorrente de
produto do trabalho, já que inexistente. Entretanto, essa matéria é árdua e
ainda não há um posicionamento jurisprudencial pacífico, havendo decisões
desfavoráveis na Receita Federal do Brasil a respeito da tributação do
reembolso de despesas.
Por outro lado, uma legislação paralela, que aqui citamos por
analogia, estabelece que voluntários da FIFA (sem uma referência expressa à
legislação brasileira de serviço voluntário) terão isenção do reembolso de
despesas que não excederem 5 salários mínimos por mês (Lei nº 12.350, de 20 de
dezembro de 2010). Note-se que a legislação do voluntariado não estabelece esse
limite, mas poderia ter reconhecido a não incidência tributária.
Também não há que se cogitar em utilização de livro caixa para
escrituração do ressarcimento e dedução das despesas, uma vez que esse dever
instrumental é obrigatório apenas ao contribuinte que perceber “rendimentos” do
trabalho não assalariado (autônomos), leiloeiros ou titulares de serviços
notariais.
Entretanto, recomenda-se que o prestador de serviços voluntários
mantenha um registro de todas as despesas e ressarcimentos para eventual
comprovação perante a Receita Federal de que efetivamente não houve renda.
IMAGEM: Projeto Soprar um dos finalistasPremio Jovem Amigo da Criança
Conclusão
Em conclusão, (1) a Norma Brasileira de Contabilidade, ITG 2002 (R1), de 21 de agosto de 2015,
aplica-se exclusivamente aos contadores responsáveis pela contabilidade de
entidade sem fins lucrativos que receba serviços voluntários inclusive de
integrantes de órgãos de administração; (2) com relação aos prestadores de
serviços, inexiste tributação pelo imposto sobre a renda da pessoa física, uma
vez que não há aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica em relação
aos serviços voluntários prestados em conformidade com a lei; (3) o reembolso
de despesas também não deve ser tributado uma vez que também inexiste acréscimo
patrimonial decorrente do trabalho, embora a Receita Federal do Brasil tenha
entendimento divergente; e (4) cabe aos contribuintes buscar, de forma
organizada, o reconhecimento dessa situação por parte da Receita Federal do
Brasil, que poderá editar atos interpretativos consolidando a inexistência de
tributação e evitando eventuais dissabores por parte da fiscalização em todo
território nacional.
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